O Cuidado do Emocional em Saúde: resenha do livro

O cuidado do emocional em enfermagem é a primeira edição de um livro que se tornou best seller na área da atenção emocional em Saúde, tanto que atualmente já se encontra na 3ª edição, revista, ampliada e com novo título (O cuidado do emocional em saúde).

A autora é Ana Cristina de Sá, enfermeira, psicóloga, com mestrado e doutorado pela USP (Enfermagem Fundamental e Enfermagem, respectivamente) e que atualmente leciona no Centro Universitário São Camilo.

Cuidado do emocional em Saúde, em Enfermagem
Cuidado do emocional em Saúde, em Enfermagem. Foto: montagem Canva

O livro possui 11 capítulos curtos (114 páginas ao todo), entremeados por narrativas de “casos” reais, mas que são significativamente ricas, contribuindo muito para a ampliação dos nossos horizontes em disciplinas como Bioética, Ética Profissional ou mesmo Psicologia.

Sem dúvidas, esse viés teórico e problematizador da obra é algo que pode ser muito útil em nossa formação, e não somente para “complementações de aulas na área da saúde”.

Breve panorama d’ O Cuidado do Emocional em Enfermagem

Traçando um breve panorama da obra, observamos que os três primeiros capítulos nos chamam a atenção para habilidades nem sempre “estimuladas” nas unidades hospitalares, durante o cuidado com o outro:

  • (1) a percepção dos mínimos detalhes à nossa volta (o imperceptível);
  • (2) a capacidade de ouvir; e
  • (3) a capacidade de apurarmos nosso olhar para interpretar o que está sendo “dito” sem palavras.

Por um lado, fica patente, nos relatos que se seguem, o quanto podemos fazer mais em prol da dignidade ou do bem estar de nossos pacientes. Isso inclui desde a percepção de que um bom banho (“Seu Pedro”, p. 12) pode fazer um doente se sentir “bonito para a sua nêga”, ou mesmo sentir o quanto pode ser confortante para uma criança em estado terminal rever um ente querido (Waldemir, 10 anos e a sua querida avó).

Por outro lado, a história de “Dona Eunice” (p.23), que lutou por três intensos anos contra um câncer, demonstra o quão é importante o ato de ouvir, pura e simplesmente ouvir, sem dizer coisa alguma em troca. A mesma acuidade do profissional para ouvir deve ser exercitada para o olhar, “aliado à expressão facial, a um gesto ou à expressão corporal” (p.27).

Muitas vezes, quando atingimos um patamar de “interação efetiva” com o paciente (p. 35), conseguimos decifrar o seu mutismo ou o seu semblante de tristeza, detalhes que podem dar pistas de que algo pode estar sendo conduzido de maneira errada na terapêutica adotada pela equipe de profissionais (como no caso do “Sr. Desconhecido do leito 29”).

O Cuidado do Emocional em Enfermagem: capítulos IV, V e VI

Os três capítulos que se seguem (IV, V e VI) refletem sobre:

  • a chegada da morte e a necessidade de “encará-la”, sem meios termos;
  • a questão dos nossos medos ao lidarmos com seres humanos e os “agentes estressores” que estão implicados nesse relacionamento;
  • a questão da “falta de empatia” entre paciente e enfermeiro, que pode levar o profissional a revelar seus mais recônditos complexos inferiores de “miséria humana”; e
  • mesmo sobre a questão do exercício da criatividade no ambiente de trabalho do profissional.

Por meio de relatos cada vez mais tocantes, do ponto de vista da condição humana, a autora vai resgatando assuntos aos quais muitas vezes não damos a devida relevância. Por exemplo, em 20 anos de trabalho, ela se dá conta de que um dos maiores temores dos pacientes críticos é o de morrer sozinho: esse paciente não se torna “poliqueixoso” por vontade de nos incomodar, mas pela sua condição de fragilidade (a jovem terminal de 16 anos).

Em outro caso, Ana Cristina relata um atrito entre ela, então recém-formada, e uma enfermeira experiente (“ter sido humilhada por alguém que é seu par” doeu-lhe muito), mas que acabou em grande amizade.

Em outro relato, a autora descreve um pouco as adversidades enfrentadas no seu primeiro estágio de Psiquiatria e, por fim, sobre o fato de que muitas vezes não valorizamos a empatia (isto é, a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro), sem a qual o nosso trabalho como enfermeiros fica seriamente comprometido.

O Cuidado do Emocional em Enfermagem: capítulos 7 ao 10

No capítulo VII, Sá relata o quão maravilhoso pode ser o toque, enquanto método terapêutico, momento em que há uma troca de energia profissional x paciente, o que potencializa o efeito analgésico da terapêutica.

O oitavo capítulo nos conscientiza de que a solidão é o pior remédio para os nossos males, pois é com ajuda dos outros que podemos construir uma vida melhor.

Na sequência (cap.9), Cristina de Sá discorre sobre a importância da escolha da carreira certa, que, de fato, é aquela que nos proporcione prazer e que a cada dia exista o interesse de aperfeiçoar-se, sempre com humildade e o humanismo.

O décimo capítulo nos causa admiração ao nos depararmos com a atitude da autora ao enfrentar o caso do “Seu Paulino”. O texto parece querer extrair de nós uma resposta a esta pergunta: “até que ponto devemos seguir à risca o Código de Ética de Enfermagem”?

Aqui, somos capazes de recriar a situação em nossa própria memória e imaginar o tamanho da felicidade de Seu Paulino, quando saciou pela última vez a sua vontade de tomar a tal “branquinha” – e também a nossa própria satisfação, ao percebermos que, nesse caso, o ato de “quebrar as regras” se fez plenamente necessário.

Outras histórias se seguem, retratando, em linhas gerais, o quanto o respeito aos direitos “emocionais” dos usuários da saúde é uma tendência bem vinda em nossa sociedade. Nas entrelinhas – e mesmo fora delas – fica evidente o quanto precisamos assegurar aos cidadãos um atendimento verdadeiramente acolhedor e livre de qualquer discriminação/preconceito.

O capítulo que encerra estes relatos de vivências magníficas, (que, a esta altura, tanto já acrescentaram ao nosso aprendizado) traz a história comovente da própria autora, que aqui passa a ser personagem, narrando em primeira pessoa aquilo que descobre “do outro lado”. Assim, ao descobrir que tinha uma neoplasia maligna, ela passa a enfrentar o serviço de saúde como paciente (e não como profissional).

Isso talvez nos faça imaginar que Sá desejasse ser leiga no assunto, naquele momento, no entanto, vê-se que a sua história com o câncer despertou-lhe para sentir muitos dos sentimentos que cercam as pessoas acometidas por essa doença.

Tanto passou por situações constrangedoras, como também pôde encontrar pessoas que demonstraram ser fiéis amigas, solidárias e envolvidas com a causa e com o amor ao próximo, tanto do ponto de vista profissional, quanto humanístico. A sua vontade de vencer e a sua fé foram seus pilares durante todo o processo de recuperação e superação, essa mesma vontade e fé que antes foram usadas para ajudar todos os seus clientes.

Objetivo do livro

Expondo seus objetivos ao final da obra, a autora diz que – entre outros estímulos – o que a motivou a escrever tais relatos foi a vontade de trazer experiências vividas e que não são contadas em livros científicos.

De fato, concordamos com isso. Ao principiar a leitura, não demora muito para constatarmos que o livro O cuidado do emocional em enfermagem é, numa palavra, cativante. E engana-se quem pensa tratar-se de uma obra puramente voltada para profissionais da saúde.

Afinal, trata-se de uma leitura – inevitavelmente prazerosa e reflexiva – na qual percebemos que uma das felizes conquistas da autora foi justamente a sua capacidade de atingir um público que extrapola o âmbito dos profissionais e das pessoas do seu/nosso “meio” (o da área da saúde, o da academia ou o das unidades hospitalares).

O livro, por outro lado, nos remete a questionamentos edificantes e perenes, tais como:

  • “Eu – enfermeiro ou médico – tenho feito mesmo tudo o que pode ser feito para amenizar as dores das pessoas?”;
  • “Isso que nos acostumamos a chamar de ‘cuidado do emocional’ realmente tem se prestado a sê-lo?” ou mesmo
  • “O que nós, profissionais, podemos considerar como sendo o verdadeiro cuidado do emocional?”

Estas são apenas algumas das perspectivas de reflexão que a obra trás à tona, sempre com uma linguagem abrangente, no sentido de não se preocupar com o jargão tecnicista, ao ponto de pequenos erros de revisão serem plenamente perdoados (a exemplo da grafia errada da palavra “chinêz” [p. 89] e de uma frase atribuída equivocadamente ao escritor Guimarães Rosa [p. 84]: “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”], quando se sabe que é atribuída ao escritor Euclides da Cunha, na obra Os sertões, de 1902).

Conclusão

Concluindo, podemos afirmar que O cuidado do emocional em enfermagem é uma obra carregada de humanidade, de valores advindos da experiência clínica e de tantos outros sentimentos nobres, que poderiam ser resumidos no amor pelo próximo e no amor pelo ofício do cuidar – tudo isso é de interesse universal, e não de nichos.

Através do relato de suas experiências profissionais desde muito jovem, lidando com pacientes em situações problemáticas de saúde (portanto, lidando com questões que envolvem a morte e o morrer, o sofrimento humano, as dificuldades de relacionamento interpessoal, entre outras), nós, leitores em geral, somos instigados a medir o verdadeiro valor da afetividade, do carinho, da espiritualidade (do respeito a esta) e da solidariedade (algo que não tem relação com o “ser bonzinho”).

Autores:

ALBERTO VICENTE SILVA e DANIELA PASSOS RIBEIRO. (UEFS – UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA, janeiro de 2013).

Este é um trabalho acadêmico. Se você for utilizar, cite a fonte.

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